quinta-feira, 3 de março de 2016

Se for pra sair sem batom, não sou eu

A vida é um ciclo e determinada por fases que por mais que seja uma experiência comum a todos guarda os mistérios que só o experimentar trás. O menino questiona quando se sabe que já é um homem e a menina se questiona quando é mulher. As respostas   irão variar de indivíduo para indivíduo, mas geralmente se chega a conclusão de: você sente. Não é alguém que te diz, não está numa revelação surpreendente no final do livro, no desfecho do filme, no discurso do rei, na pregação do pastor. É a sua relação com a vida que é só sua.

Pode ser o momento que você é obrigado a tomar uma decisão e como o resultado de seus valores, seu caráter, suas experiências, a conclusão chega: eu não sou assim. "Eu não iria para o lado A. Talvez, há alguns anos atrás eu escolhesse o lado A, mas hoje vejo que o lado B é o melhor pra mim". 

É um momento difícil e um longo período de aceitação de si mesmo o acordar para a responsabilidade da própria vida. A necessidade de ter subestima o ser durante muito tempo. Gastamos muito tempo tentando agradar quem não gostamos, tentando impressionar quem nem conhecemos, tentando nos encaixar (desesperadamente) em algum lugar. Ter pode não ser ruim, mas vivemos de excessos, enquanto no amor aceitamos sobras. Os relacionamentos são de posses, status e carência. Pessoas que acabam por aceitar aquele alguém que te faz ser menos, uma mercadoria barata e com defeito, mas tudo bem se pode ter o celular de última geração. Amor-próprio não se compra nem numa loja Chanel. Viramos seres frustrados pela construção da mera expectativa que alguém irá se encaixar nos seus moldes pré-concebidos e preencher aquele espaço oco onde deveria estar o "eu". Talvez por isso muitos relacionamentos terminem com a frase "Não é você, sou eu".

Estamos propensos a mudar o tempo todo, afinal, a vida não para. E nunca volta. Talvez intimamente realmente acreditemos que viveremos para sempre, como na adolescência, que tudo é novo e geralmente impulsivo. Não mais criança e nem adulto ainda. Mas crescemos. Pode chegar esse dia que você não tenha mais necessidade de convencer todo mundo, de estar certo, de estar em grupo, de se encaixar. Pode ser que nesse dia você se apaixone por você mesmo e a partir daí as demais pessoas se apaixonem por você... loucamente.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Uma imagem por um Texto #1

Eu propus à Gabriela Molinaro, uma ilustradora incrível de talentosa que começou a publicar seus trabalhos em sua nova página no facebook (https://www.facebook.com/gabesmolinaroart/) o seguinte: Me dê um desenho e eu te dou um texto. Algo que te inspire para algo que me inspire. Esse foi o primeiro e o sinto como um experimento, como uma continuação de uma conversa, uma resposta a uma pergunta. Gaby, espero que goste e que continuemos.



"Começou como uma dor de cabeça.
Algo que queria se desprender de mim. Fragmentos de um eu desconexo e sem sentido. Um sentimento que não tinha abrigo, uma sensação incoerente e de alto risco. De brotar nos olhos.
O que é tudo isso que está aqui dentro? 

...

Perdoa-me, moça, desde já por esse meu jeito, minhas palavras frias e meu toque gelado. Gosto das suas formas e das suas cores, e eu com esse gosto tão amargo. Talvez você espere palavras quentes e versos que rimem, mas tem dias que a minha interpretação, prontidão, e efeitos são cinzas. Poucas vezes percebo que os pontos se ligam, uma ideia se completa de outra ideia e esse mosaico é meu céu estrelado para onde olho quando meus olhos se fecham. Aleatoriamente percebo que sou alguém que usa muito a palavra 'talvez'. Talvez seja eu indecisa de tantas coisas. Talvez se eu me abrir e deixar as ideias saírem me tirem o peso. Talvez eu precise abrir mão de uma ideia. Abrir-me em pedaços e me ver dentro.

Hey, talvez você tenha me colorido um pouco hoje."

Cidade em Festa

Com a cidade de São Paulo em festa me pareceu natural refletir sobre a minha morada aqui. Temos essa mania de esquecer, deixar de lado, ignorar e na maioria das vezes insultar, para em determinada data cobrir de afetos. Seguimos o calendário, marcamos um dia para comemorar e deixar vivo na memória. Seja o dia da água, a páscoa, dia do índio, dia de São João, dia dos namorados, dia do seu aniversário, dia das crianças, dia de natal. Cada data tem a sua construção histórica, sua importância, seu marco, sua tragédia ou comemoração. Lembramos de tudo o que a gente comemora o ano todo? Talvez, esporadicamente. Mas precisamos dessa data marcada no calendário para que pelo menos uma vez no ano recordemos.

Lembro-me de certa vez falar a um paulistano de como eu via a cidade. Suas vastas opções (em tudo), tanta coisa acontecendo, tantas oportunidades que poderiam surgir, tantas pessoas diferentes para conhecer e de tantos lugares. "Nossa, você tem uma visão tão otimista de São Paulo". Lembro-me de responder que precisava ter senão iria embora, retornaria para a minha Ítaca, no conforto do espaço limitado que eu conhecia.

Hoje as pessoas comemoram, brindam, pulam, brincam. É feriado em plena segunda-feira, isso com certeza é algo a se comemorar. Como sempre o dia acaba, a luta não parou, muito menos a cidade. Mas amanhã ficam os restos do dia de hoje, pra voltarmos ao que éramos ontem. São Paulo volta a ser a cidade pessimista sobre si mesma. Talvez seja o nosso jeito torto de amar. Sim, São Paulo, eu a amo, por me acolher de tão longe.

Agora, minha querida cidade, em breve pretendo estar de partida para outra cidade me acolher. Quero ver o mundo. Meus olhos anseiam por ver novos lugares e meus pulmões querem novos ares. Muito em breve será hora de mudar. Daqui até lá viveremos ainda essa nossa relação de amor e ódio. Quem sabe depois de toda uma vida vivida meu corpo possa ser jogado no espaço e eu veja o mundo como um todo. E quando alguém quisesse lembrar de mim, não teria data no calendário, seria só olhar as estrelas.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

O Dia Em Que Dante Sorriu

Certa vez, há muito tempo atrás, existiu um ser que definiu tudo o que você conhece hoje e chama de sentimentos e/ou emoções. Ele foi a cobaia de uma força suprema para dar mais estética e elegância aos habitantes daquela massa arredondada. Num dia como outro qualquer ele acordou e teve a sensação de estar se afogando. Não era um sonho, premonição, paranoia. Sentia um peso nas costas, uma respiração sufocada, um desespero perante aquilo que ele conhecia como vida. Algo estava definitivamente errado. Observou tudo e todos ao seu redor, mas tudo estava igual. E todos eram iguais. Sozinho, esse aperto no peito o sufocava e ele passou a ver em preto e branco. Chamou esse pesar de agonia.
.
Agora como uma figura fora de foco, transtornado contemplava o monocromático ao seu redor. Sua face estava rígida. Caminhou por um tempo entre os demais, apesar de ser diferente sequer foi notado. Ele olhou para cima e viu o sol. Não lembrava que cor ele era. Quis sentar-se, estava exausto. Apenas uma caminhada e parecia que tinha carregado a cruz até o calvário, o corpo chicoteado e espinhos perfurando a cabeça. Não queria falar com ninguém, mas havia gritos na sua cabeça. Estava parado, sem qualquer lugar em que quisesse chegar e algo dentro dele debatia-se. Apesar de toda confusão lá fora a vida sem vida passava em câmera lenta. Uma lágrima lhe molhou o rosto e chamou essa agonia de tristeza.
.
Queria fugir dos seus pensamentos, mas não tinha outra companhia. Passou as mãos no rosto e sentiu essa coisa molhada. Esse sangue transparente. Estava tendo hemorragia, a alma estava doente. Não gostava disso. Queria ter o controlo de si. O que estaria acontecendo? Revoltado, sentiu algo quente percorrer o seu corpo e um frisson eriçar seus pelos. Sua visão começou a ficar escarlate e podia sentir suas veias tamborilando reagindo às batidas frenéticas que batiam no peito. Sentado abraçou as pernas e apertou forte os braços. Suas unhas fincaram a pele até algo quente e vermelho escorrer entre seus dedos. Levantou e começou andar entre os demais, esbarrando-os, provocando-os. Por que esse ser e não qualquer um desses? O que ou quem estaria usando-o como brinquedo para um frio divertimento? Tudo continuava vermelho em sua frente e os sons esvaíram-se de seus ouvidos. Entrou em casa batendo a porta e arremessando qualquer coisa que estivesse por perto. Quem estaria assistindo esse teatro real? Apenas chamou essa triste cena de ira.
.
 Ofegante parou tentando ter consciência de si. Que idiotice quebrar as suas próprias coisas! Voltou a enxergar as cores, mas elas estavam pálidas. Encarou-se no espelho. Aquilo na sua frente era um reflexo do seu eu desconhecido e intocado. Suado, machucado, descabelado, horrendo. Mas tinha mais. Nos olhos. Foi tocado pela ira e sabia que ela viria de novo a qualquer momento. Não sabia o porquê, mas sabia disso. Esse ser não é só uma cópia dos demais seguindo um padrão de comportamento. Se o que quer que fosse que está acontecendo com ele acontecesse aos demais o caos desencadearia definitivamente. Eles descobririam limites e extremos e os estrangulariam. Eles não podem saber do que são capazes! Então chamou esse dia de inferno e culpou alguém a quem deu o nome de Diabo.
.
Quem seria ele, ele não fazia ideia. Descreveria a dor e o sofrimento do inferno e um ser que imperava sendo a forma viva do mal. Encarou-se mais uma vez. Teve pavor daquilo que via. O pulsar que tinha se acalmado voltou à sua histeria frenética. Olhava para todos os lados agora a espera de algo acontecer, alguém aparecer. Algo invisível apertava fortemente o seu abdômen e a respiração voltou a ficar pesada. Estava estranho, seus sentidos aguçados. Ouvia cada passo dado lá fora, cada inseto que voava, cada matéria que o vento tirava do lugar. E cada novo sussurro que o silêncio gritava o aperto no abdômen ficava mais forte, um tranco no peito e alguns segundos segurando a respiração. Estava estagnado com tudo o que estava lhe acontecendo e chamou a isso de medo.
.
Mais uma vez tentando ter controle de si fechou os olhos e respirou fundo. Algo tinha mudado. Foi um alívio que sentiu. O peso não estava mais lá. Pelo contrário, estava leve. Sentiu seu rosto perder a rigidez e seus lábios abriram-se num sorriso inesperado. Permaneceu um bom tempo assim, parado e de olhos fechados apenas saboreando essa tranquilidade que sentia. Não estava mais se afogando, as cores estavam fortes. Na verdade tudo voltou a ser como antes e notificou que aquilo o agradava. Reconhecer a rotina e as coisas que estavam ao seu alcance. Iria limpar a bagunça, fazer curativos onde tinha machucado, cozinhar algo para comer. A repetição o agradava nesse sentido. Oscilou em sua serenidade quando não conseguiu dar um nome àquilo.
.
Não queria que essa sensação passasse nunca e tratou de ocupar-se em limpar e por tudo de volta no lugar. Que dia foi esse? O que realmente aconteceu? Queria conversar com alguém. Mas não qualquer alguém. Pois se falasse para qualquer alguém o teria como louco. Precisava de alguém para compartilhar o que tinha vivido e até sentido. Um alguém que, se possível fosse, tivesse também passado por isso. Mas como explicaria o inferno, a ira, o medo, a angústia para alguém se eram palavras inventadas por ele para o que estava vivendo? Pensando melhor, não queria esse outro alguém tivesse passado por isso. É ruim. Queria alguém que se conectasse a forma que ele via do que ele conhecia como vida. Mas não queria que esse Ser sofresse. Arranjaria uma forma de lhe explicar tais emoções. Quis encontrar esse ser e cuidar dele. A paz foi embora ficou com essa necessidade de doar-se. Ficou um pouco bravo por sair de sua calma. Queria-a de volta. Contudo tinha esse ser que nem conhecia, mas já conhecia o que sentiria por ele e chamou de amor.
.
Então estava amando. Abriu outro sorriso, esse mais largo agora. Percebeu-se distraído, olhando o nada e algo que voava dentro do seu estômago. Estava quase tudo no lugar. Estava irritado, mas ao mesmo tempo bem com isso. Ansioso, mas tranquilo. Estava definitivamente contraditório. Não queria explorar muito esse novo sentimento. Teve medo dele. Agora podia definir melhor para si mesmo o que sentiu: “teve medo dele”, e isso o agradou. Olhou tudo agora limpo e organizado, estava em casa. Chamou sua morada de paraíso.
.
Sentiu a temida ira se aproximar ao se dar conta que não encontraria o seu alguém. Percebeu quantos planos tinha feito em tão pouco tempo, tempo contado na realidade do sonho, onde o tempo é irreal e os sonhos a única verdade. Queria alguém para ver, falar, tocar. Que fosse real no mundo real. Sentiu-se filho único da Terra. Mais do que nunca se sentiu sozinho e achou coerente chamar isso de solidão.
.
A ira ficou mais próxima. Um tanto misturada com a tristeza, agonia, medo. Não achou que fossem possíveis todas juntas. Era um pouquinho de cada. Queria sentir de novo aquilo bom. Nem nome tinha dado ainda. Seria possível sentir aquilo permanentemente? Mas quaisquer das minhas novas palavras seriam possíveis instalar-se em mim? Queria sentir aquilo até o fim daquilo que conhecia como vida. Então sua existência seria voltada à eterna busca daquilo? E o que conhecia sobre aquilo para fazê-lo voltar? E se nunca mais voltasse? O autor dessa brincadeira teria as respostas ou ele mesmo está me usando para chegar às respostas? Como numa luz chamou esse autor de Deus e seu novo desejo de busca em felicidade.
.
Já era fim desse dia estranho e resolveu dar mais uma volta. Ao chegar à rua parou assustado. Estava tentando entender em que realidade paralela ele teria sido jogado. Viu alguns dos outros fora de foco, sentados no chão abraçando as pernas, alguns esbarrando nos outros. E de repente percebeu algo. Eles não eram todos iguais. Padronizados sim, mas tinha outra coisa. Alguns tinham certa graça especial, delicadeza, elegância. Suas formas eram mais arredondas. Os outros eram mais altos, de aparência mais rude, porém de confiança. Uma ideia então o ocorreu... Eles deveriam andar em pares. E poderia explicar a eles o que estava acontecendo. Dizer-lhes os nomes. E antes que se julguem pela ira desmedida digo-lhes que é obra do Diabo para que essa transformação não afete a confiança entre eles. Posso falar-lhes sobre a tranquilidade que é estarem no paraíso e talvez assim eles não busquem o inferno e não propaguem tão ruins sentimentos.
.
E este ser deu-se a obrigação de compartilhar seus conhecimentos, e outros acrescentaram ou distorceram sua pregação ao longo dos anos. Existiram aqueles que continuaram a vagar sobre a massa arredondada, pondo em dúvida a evolução daqueles que um outro ser chamou de humanos. E esse ser que acompanhamos entendeu que somente após ter as experiências que teve pode chamar o que o faz existir de vida.


segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Profissão Artista

Na noite passada tivemos a premiação do Globo de Ouro e pensando em coisas aleatórias me veio essa: certas coisas não podemos simplesmente fugir delas. Aleatório demais, talvez. Falo daquelas coisas que se você fugir passará a vida toda fazendo isso, correndo, se escondendo, se disfarçando.

Venho de uma cidade que só tinha um cinema que exibia apenas um filme por vez, isso quando exibia. Lembro-me da animação Tarzan ser o primeiro filme que eu vi na telona. E filme pra mim sempre foi sagrado. Outras recordações explodiram na minha mente. Em poucas ocasiões juntei duas amigas para alugar alguns filmes (bons tempos de locadora) e era catastrófico pra mim. Ela conversavam, riam, se beliscavam, davam piruetas, cambalhotas, tudo, menos prestar atenção no maldito filme. Acabava por achar que tinha algo de errado comigo, pois eu ficava profundamente magoada, além de irritadíssima! Quando saiu o amado e odiado “Crepúsculo” (sim, o primeiro) eu tinha a idade do público alvo e eu não comprei a ideia. “Mas todo mundo vai!”. Entendam, eu era uma adolescente em busca de aceitação, claro que esse é um bom argumento. Fui e foi novamente desastroso. Mesmo dentro da sala escura era a mesma agitação com aquela pitada de romance adolescente pão com ovo. Se tinham me chamado pra ver o filme, vamos assistir ao maldito filme! De novo achei que tinha algo de errado comigo.

Moro na capital paulista há 6 anos e muitos me perguntam sobre adaptação. Aqui eu pude me reconhecer. Vou ao cinema (geralmente) (na maioria das vezes) sozinha e naquela sessão vazia de segunda-feira às 11h da manhã. Isso não me incomoda, não mais e acabei descobrindo que não tinha nada de errado comigo. Eu tinha e tenho é amor por cinema, pela atuação dos atores, pela câmera, pelo roteiro, pela experiência, por aonde aquele filme vai me conduzir e fazer chegar. Por me fazer esquecer que estou numa sala escura, seja a da minha casa ou a do cinema, por questionar, intrigar, motivar, politizar, criticar, emocionar.

Comecei a fazer teatro pelo amor ao cinema. Apaixonei-me pelo teatro e cá estou declarada artista. Esse pode ser um tropeço no meio do caminho muito comum e muita gente se frustra nessa ideia de começar uma coisa pra ir para outra que é completamente diferente. Conto aqui rapidamente que também tentei começar um grupo de teatro na escola lá pela 4ª ou 6ª série, mas, claro, ninguém levava a sério. Parei para pensar agora que na 4ª série eu já escrevia pecinhas de teatro... Senti certo orgulho de mim. Voltando ao erro, acontece que eu não queria apenas ser atriz, o processo teatral me apaixona, assim como o fazer cinema e de vez em quando quero transitar por camadas diferentes do processo. Essa é uma escolha desafiadora, confesso, mas hoje reconheço que é o que eu sou.


Não há nada de errado comigo, apenas sou artista. Não tenho a bagagem que esperava ter de ambas as artes, mas cá estou com a que eu tenho e tem espaço pra mais. Não importa para onde eu vá, ou o que eu tente fazer, sempre, SEMPRE voltarei a isso: mal paga, fudida, desempregada, apertada, contas atrasadas, sem 13º, artista.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Aquele conselho que pode mudar a sua vida

A gente fica procurando, pior, esperando. Aquela receita pronta, aquela dica infalível, aquele grande conselho. A gente quer acontecer, fazer estreia, chegar chegando, acertar de cara. A gente quer o topo, a gente quer o mais caro, a gente quer tudo do bom e do melhor. Daí, quando se menos espera a gente tem o exemplo.

O exemplo geralmente é sutil, simples e principalmente humilde. Geralmente a gente não entende, ignora, passa por cima. A gente está alto demais para ver algo tão pequeno. A gente só olha para cima. Ai a gente tropeça.

Geralmente a gente cai de cara. Bate a cabeça, quebra o nariz, um estrago. A gente não consegue de primeira. Mas a gente tem talento, até o ruim é bom e vai assim mesmo. A gente enfrenta o ‘’não’’ depois de cair. A gente continua. A gente finalmente para pra ver outro fazer. Outra gente também faz e faz muito bem. Mas a gente pode fazer melhor, a gente sabe disso. O que a gente não vê foi como essa outra gente fez no começo. A gente começa a ler livros, procurar na internet, a gente quer achar “a resposta”. É confuso assim mesmo.

A gente chora. Em determinado momento a gente chora. Porque a gente não consegue, mesmo a gente sabendo que sabe. Já faz tempo que a gente quer “chegar lá” e ai a gente cansa. Não tem lugar nenhum pra chegar. A gente está onde a gente está.

Ai a gente percebe. Quem é gente esperto percebe. Tem aquele tio na padaria contando histórias, de sua vida de lutas e glórias. Manco e cego e um olho, está feliz, pois seu time venceu. A moça do apartamento do lado é mãe solteira e tem dois empregos, está feliz que o filho passou de ano.


Em algum momento a gente vê a gente a nossa volta e percebe você. Eu me dou conta que alguém lê o que escrevo e assim te vejo, quem sabe me reconheço, ou talvez seja o contrário. A gente está no lugar certo e já sabe o que fazer. Basta fazer. Agora. Sem adiar, por empecilhos, mal olhado. Você não é o único no mundo, mas é o único que pode fazer algo por você. A gente quer que você cresça, que você conquiste, que você triunfe. Mas se você não quer o suficiente pra fazer, a gente acaba por esquecer você e aplaude o outro. Outro está fazendo.

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Encontr(o) Estranho

- Eu conheço você. 

Disse o Homem para o Outro Homem que passava. O Outro parecia ter urgência em passar. Estranhamente ele não ia a lugar nenhum. Parou. Ele não resolveu parar, era como um comando que não deu, passava e parou. Algo lhe dizia que não era uma boa ideia conversar com aquele homem.

O Homem observava o Outro Homem com recomendado receio de uma voz inconsciente, porém era mais forte o desejo de lhe falar. Algo lhe parecia que eles não eram dois passantes, porém fruto de um encontro marcado. Aquilo que o Homem disse ao Outro Homem também parecia ao Homem uma fala ensaiada, um verso cantado.

Existe uma busca incansável do ser humano a respeito de si mesmo, uma necessidade de definir-se e ajustar o seu lugar no espaço que ocupa, tudo para encontrar algo que se resume em uma palavra tão pequena: eu. No entanto, o que o Homem afirma é que conhece o eu de outro alguém, desse estranho transeunte que se desloca nesse espaço e alguém poderia tê-lo como ninguém.

O Outro Homem observa o Homem como a esperar uma resposta. Alguém o teria definido, ele poderia parar de transitar nessa busca enlouquecida de si mesmo e quem sabe ver o provável sentindo de existir. Algo conectava o Homem e o Outro Homem. Poderia ser a projeção de si mesmo que necessita efetuar para conseguir se distinguir e se entender enquanto consciência. Ou talvez não seja nada disso.

- Por que?

Novamente foi o Homem quem falou. O Outro Homem estava parado ali cumprindo o seu papel. Era uma pergunta significativa e justa. Definir o Outro Homem seria um trabalho árduo, então passa-se para a segunda pergunta que assola a humanidade. Não basta existir, é preciso entender por quê. Nada pode ser alheio, sem propósito.

- É o que eu sou.

Responsável por si mesmo, dessa vez a resposta veio do Outro Homem. Sendo a vida um movimento circular, redundante, esférica, ele responde à pergunta com a primeira afirmação.

Estavam estes, o Homem e o Outro Homem num lugar onde passado presente e futuro são as mesmas coisas. Acontecerá, acontece agora, aconteceu. Também de outro ponto de vista poderia ser a vida assim, o que eu posso evitar, o que eu estou fazendo, o que eu fiz. Basta dar-lhe contexto.

- E se...? - Disse o Homem num tom esperançoso. O Outro Homem faz um gesto negativo com a cabeça.
- Poderíamos ir e voltar no tempo e mudar tudo de lugar. Dizer palavras diferentes e tentar mudar a direção, nossos caminhos levariam ao mesmo lugar. Ainda aconteceria.

Não havia remorso na voz do Outro Homem.

- Você precisa nascer assim?

- Assim como?

- ...Assim.

- Sendo eu?

- Você pode ser você, mas talvez não precise de mim.

- Então eu não seria eu.

- Não sente remorso? Não vai nem se desculpar?

- Quer que eu confesse? Vai me perdoar?

Houve uma longa pausa até que o Homem pudesse responder com verdadeira franqueza:

- Você perdoaria?

- Que diferença faz?

- Vai doer?

O Outro Homem não foi capaz de disfarçar o brilho nos olhos e a satisfação quando respondeu:

- Muito.

- Será rápido?

- Não.

- Você será punido?

- Você nunca saberá.

O Homem não sabia mais o propósito desse encontro, assim como não fazia sentido para ele a sua existência. Ela terminaria, assim como a existência de qualquer um.

- Poderia ser de outra forma. - O próprio homem tinha dúvidas se era uma afirmação ou uma nova pergunta.

- Mas não foi.

- Eu estava apaixonado. Queria casar, ter filhos. Sou um homem bom.

- Isso quer dizer que eu sou o Homem Mau?

- Eu usei drogas, sou briguento, trouxe preocupações e dores para a minha mãe. Errei e erro como qualquer um. Qualquer um tem defeitos.

- Quer redenção? Eu posso ouvir as suas desculpas, os seus motivos. Afinal, você é o Homem Bom.

- Você não tem motivos.

- Por favor, isso não é sobre mim. Continuemos a falar sobre você.

- Você não tem motivos!

- Eu ainda matarei você. Eu ainda matei você.

- E o que eu faço agora?

O Homem percebeu que era a pergunta que fez a vida inteira, como se atirado á Terra num corpo rosado e absurdamente frágil. O Outro Homem parecia ao Homem saber o que fazer, talvez pudesse dizer ao Homem. E assim como ninguém respondeu ao Homem, ou ninguém responderá, o Outro Homem partiu em silêncio, de volta a urgência de seus passos, como o tempo que insiste em prosseguir.